Nem loucura ou utopia: a realidade é a nossa história 

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A Ilha da Utopia

Em 1508, Erasmo de Rotterdam publicava o Elogio da Loucura, livro no qual critica a monarquia absolutista como um regime totalmente injusto com o povo. O rei e sua corte faziam de bobos todos os que acreditavam na veracidade do propósito de existir um reinado. Tudo se passava sem levantes, embora marcado pela completa quietude severamente imposta pela censura e a ameaça de violência. Sobre essa conjuntura Erasmo já se referia como sendo um produto da loucura própria daquele regime vigente. Por provocação, seu compadre Thomas Morus resolveu então descrever o que seria uma sociedade imaginária, oposta àquela do Elogio à Loucura, publicando “A Utopia”.  

A Utopia é uma resposta ao Elogio da Loucura. Erasmo apelidou o amigo de Thomas “Moria” (palavra que significa loucura, em grego). Morus descreveu em seu livro a história de uma civilização idealizada, situada em uma ilha onde tudo funciona da forma como fora planejado para gerar o bem-estar coletivo. Na verdade, Morus examinou a realidade do regime monárquico e pensou como seriam as coisas ao contrário do que se percebia no seu dia a dia.  

O autor realizou um exercício de imaginação como hoje podemos tornar a fazer, transportando-nos à nossa própria sociedade utópica: sem grupos de extermínio, terrorismo, canalhocratas, caguetes, ditadores, feminicidas, misógenos, homofóbicos, nazifascistas, corrupção virulenta, milicianos, mafiosos, ameaças, perseguições, injustiças, desigualdades, conflitos, guerras, etc. Em um cenário utópico, os cidadãos de bem não seriam apenas os cidadãos “de bens”, mas todos aqueles que têm a vontade e a oportunidade de participar organizadamente da vida política, exercendo a liberdade de expressão com responsabilidade e sabedoria e vivendo em perfeita harmonia.  

Pensando-se utopicamente, em uma democracia representativa de um regime dito republicano, os políticos eleitos cumpririam suas obrigações com os interesses do povo, não com seus interesses privados, e seriam honestos e vistos como agentes públicos respeitáveis. Na realidade utópica, surgiria uma sociedade harmônica e de instituições fortes, com operadores dos sistemas judiciário, legislativo e executivo reconhecidos pela legitimidade moral, que transbordaria honestidade em suas atitudes e decisões necessárias à manutenção da confiança na população e no desejo de um futuro mais promissor para as novas gerações.  

Nem loucura, nem utopia. Atualmente, a burguesia se tornou a nova classe dominante, enquanto o proletariado tomou o seu lugar como classe oprimida. O potencial revolucionário das classes oprimidas do mundo foi amortecido a ponto de o Estado estar sendo cada vez mais apropriado por grupos de poder e saqueado em nome do sucesso do modelo de representação democrática. Na utopia do capitalismo, a riqueza será um dia fracionada com os pobres. Na realidade, essa riqueza só existe em função do aumento da exploração e da pobreza.  

No livro 18 Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx diz que a história se repete e a busca por legitimidade faz da política cópia mal feita do passado, que, por sua vez, nada mais é do que cópias mal feitas de acontecimentos ainda mais distantes. O economista e filósofo Karl Marx explica melhor até hoje a nossa triste realidade: para que existam ricos, é necessário que existam pobres – esse raciocínio se aplica e resume toda a história.  

Sabendo-se o que tivemos no passado, golpes sucedidos por golpes gerados no âmbito de gabinetes secretos, é possível acreditar que já vivemos uma farsa e cada vez mais correremos o risco de viver novas tragédias. Se por um lado a sociedade perdeu boa parte de sua capacidade de pensar e perceber a realidade com clareza, por outro lado não pode se furtar à defesa dos direitos humanos como um dos mais coerentes caminhos a ser seguido para jogar luzes onde, além de utopias e loucuras, há sombras e medos. Acendamos nossos candeeiros a fim de projetar dias e noites mais iluminados. 

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