Chacina é uma palavra cuja origem é um pouco desconhecida. Ao que parece, está relacionada ao abatimento de animais para consumo de carne seca. No Brasil, o termo é empregado para dar significado às contagens absurdas de mortos por assassinato. Na esmagadora maioria dos casos, esse tipo de crime é cometido por agentes da lei, policiais, caracterizando a chacina como modus operandi da repressão a supostos bandidos, em favelas e comunidades de baixa renda.
Na última terça-feira, na favela da Vila Cruzeiro, 25 pessoas morreram e muitas outras foram feridas na nova chacina registrada no Rio de Janeiro. No placar da imprensa, a Vila Cruzeiro ocupa agora o segundo lugar no ranking nacional da violência policial, perdendo somente para o inesquecível massacre de Jacarezinho, que vitimou 28 pessoas, há apenas um ano, no mesmo estado do Rio de Janeiro.
A carnificina levada a cabo na comunidade da Vila Cruzeiro foi uma operação planejada pela polícia militar do Rio de Janeiro. Segundo consta, a PM e a PRF decidiram ser proativas em relação a uma movimentação suspeita observada na madrugada de terça-feira. Conforme informações da inteligência da corporação, dezenas de criminosos estariam se preparando para invadir outra favela, em busca de expandir seus domínios do tráfico de drogas.
Um comandante da PM do RJ explicou, horas após a chacina, em uma coletiva de imprensa, que essa movimentação atípica de criminosos ganhou mais impulso depois que o STF deu ordem de restrição de ações como essa e aquela de Jacarezinho, para que não voltassem mais a acontecer. Segundo o coronel Luiz Henrique Marinho, a migração de bandidos para a Cidade Maravilhosa é correlacionável à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que limitou as operações policiais em comunidades no estado. “Isso vem se acentuando nos últimos meses e essa tendência, esses esconderijos nas nossas comunidades são fruto da decisão do STF”, ressaltou o policial militar.
Na prática, a PM-RJ julga que o STF é pelo menos cúmplice na responsabilização pela chacina; nenhum policial se restringiu de executar a chacina por temor do STF; e ninguém sabe se o STF vai tomar alguma atitude em relação a esse novo banho de sangue em nome da repressão a supostos criminosos. Nesse cenário caótico, o que se pode afirmar é que o Estado de Direito brasileiro está morrendo de uma doença terminal, contaminado que foi pelo desrespeito às garantias fundamentais e aos Direitos Humanos.
Esse tipo de operação policial não reduz a criminalidade, mas causa efeito contrário. Torna exponencial a violência do estado, desenfreada e impune. A polícia toma a decisão de agir, julgar e de executar uma chacina. Por isso, o efeito colateral de operações desastrosas como essas não recai apenas sobre as vítimas, inclusive aquelas comprovadamente inocentes, que foram feridas e morreram aleatoriamente.
Quando a sociedade acata a violência do estado em detrimento das garantias fundamentais e dos direitos humanos, os tempos são cruéis e de massacres: as pessoas tratadas como coisas, bestializadas como animais destinados a satisfazerem o apetite de seus algozes; e o Estado de Direito é tomado pelo desrespeito e deslegitimação de seus operadores. A realidade por trás da violência do estado é planejada, assim como as chacinas também. Enquanto isso durar, o sistema legal baseado no Estado de Direito vai se desmanchando como um castelo de areia na praia.