A justiça, ou melhor, a falta de justiça pode transformar a vida de qualquer cristão ou não-cristão em um inferno. Afora as pessoas que já fizeram a passagem deste mundo para um reino mais abençoado pela justiça Divina, a exemplo do ex-prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, sobreviver por aqui sofrendo perseguições baseadas em mentiras orquestradas em gabinetes, onde o pecado tece cordas, alimenta metralhadoras giratórias e municia canhões contra cidadãos comuns, é um desafio torturante à resiliência de poucos.
As práticas de lawfare têm o poder de fazer os cidadãos conhecerem o fundo do poço. Sabe-se do caso recente e fatal do reitor catarinense, Luís Carlos Cancellier de Olivo. Cancellier foi um jornalista que encerrou a própria vida, na expectativa de que as redações da grande imprensa um dia teriam a decência de fazer despertar o mea culpa por sua manchetes acusatórias, baseadas exclusivamente em informações parciais oferecidas como pontas de lança envenenadas como “verdade sobre fatos”, em coletivas de imprensa convocadas no âmbito da Operação lava-Jato.
A condução coercitiva midiática e o punitivismo justiceiro que, após processos penais kafkianos, entrega cabeças para as violentas torcidas organizadas da “luta contra a corrupção”, reduz o Estado Democrático de Direito ao contexto de estado das trevas, espalhando falsos testemunhos premiados e minando o processo civilizatório com a fulgurante participação de torquemadas iluminados pela posição vip que ocupam em tribunais de exceção, cheios de alçapões escondidos, porões empoeirados e cadafalsos montados à procura de pessoas para serem martirizadas.
Ao contrário do Elias bíblico que subiu ao Céu em uma carruagem de fogo, após vencer o desafio de enfrentar 450 falsos profetas de Baal, o professor e médico, Elias Rassi Neto, do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública – IPTSP/UFG, aguarda em Goiânia que a justiça plena possa acontecer ainda nesta vida. Na semana passada, dia 12 de julho, Elias Rassi teve um pouco de suas dores aliviadas: a ação do MP-GO que lhe acusava de um suposto rombo de mais de 32 milhões de reais foi julgada improcedente pela 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos da Capital. Assim, após 12 anos da sua saída da Secretaria de Saúde de Goiânia, e passados mais de 5 anos de tramitação de uma ação manifestadamente descabida, que fora noticiada e espalhada como veneno de modo a massacrar a sua imagem pública, Elias Rassi teve uma importante vitória, mas a decisão ainda é passível de recurso ao Tribunal de Justiça de Goiás.
A defesa de Elias Rassi vem sendo realizada pelos advogados Jean Moura e Elias Menta. Eles afirmam que “receberam a sentença com a tranquilidade de quem conhece o Professor Elias Rassi e sabem que se trata de homem probo e comprometido com o serviço público”. Os advogados ressaltaram que nesse longo caminho sempre acreditaram que a Justiça seria realizada, o que se concretizou na sentença recebida. “A grande questão ao nosso sentir, lendo a sentença e relembrando por tudo que o ex-gestor público, Elias Rassi, passou, é pensar como será devolvida ao inocentado a reputação arranhada com o alardeio das notícias e toda a dor que um processo dessa magnitude provoca em qualquer um que é acusado”, lembraram.
Dentre as razões apontadas pela magistrada responsável pela decisão, diferentemente do que fez a acusação ao sustentar que o ex-gestor Elias Rassi teria feito um rombo de mais de 32 milhões de reais em sua gestão, constatou a julgadora que “em consulta à extensa documentação acostada, mormente a juntada pelo Município de Goiânia (mov. 134), vejo que há notas de empenho, ou seja, houve a prestação do serviço” e “assim, tendo em vista as notas de empenhos e notas fiscais apresentadas pelo ente público, verifica-se que os valores foram devidamente empenhados e os serviços foram prestados”.
O relato de Elias Rassi ao painel Lawfare em Debate pode ser lido abaixo
Elias Rassi narrou seu sofrimento ao participar do painel Lawfare em Debate, realizado pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (PPGIDH) da Universidade Federal de Goiás. Esse painel resultou em duas publicações (Lawfare em Debate – Ed. Kelps, 2020 e Lawfare – An Elite Weapon for Democracy Destruction – Ed. Egressos, 2020). Ambas estão disponíveis on-line, no repositório da Biblioteca da UFG.
Quero agradecer por ter sido mencionado como perseguido político nesses tempos de lawfare, porque me dá a oportunidade de fazer uma breve exposição. Sou médico, fui vereador por dois mandatos, presidi a Câmara Municipal e a elaboração da Lei Orgânica Municipal, fui secretário de saúde de 1997 a 2000, diretor de Planejamento do Ministério da Saúde por 2 anos, tendo retornado à Secretaria de Saúde de Goiânia, em 2011 e 2012, por convite do professor Paulo Garcia, vice-prefeito por dois anos, prefeito por outros 2 e reeleito por mais 4 anos. Nesse período de 22 anos nunca tive problema com a justiça, como também inexiste qualquer denúncia, graças a Deus. Entretanto, nesses 2 anos de gestão petista de Paulo Garcia, o Conselho Regional de Medicina de Goiás – CREMEGO, abriu 25 sindicâncias dentro do Conselho. Foram todas arquivadas por absoluta improcedência. Nesse mesmo período de 2 anos recebi 2.834 ofícios do MP/GO, que geraram 70 inquéritos civis. Fiz um dossiê, tenho comprovantes e certidões de tudo isso que estou dizendo.
Já fui julgado 11 vezes em diversas varas judiciais, em acusações ajuizadas pelo Parquet. Não perdi nenhuma, ganhei todas as 11 ações. O Tribunal de Contas me multou 60 vezes, totalizando 69 mil reais e me condenou a devolver 80 milhões por suposto prejuízo ao erário, sem nenhuma prova disso e sem qualquer demonstração de qualquer prejuízo público ou de enriquecimento ilícito. Eu respondo ainda a 9 processos de improbidade administrativa e 1 criminal. Nenhum desses processos tem qualquer base. Isso é só uma prévia, vou falar agora da coação do magistério. Um procurador federal processou a UFG pelo anúncio de realização de um curso sobre o “golpe de estado de 2016”. Este mesmo procurador acolheu uma “denúncia” contra os professores do IPTSP (Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública) que, em 3 parágrafos, diz o seguinte:
[…] O MPF deveria investigar o que se passa no Departamento de Saúde Coletiva. Diversos docentes, que são de dedicação exclusiva, exercem outras atividades. Além disso, existe a questão do padrão de vida incompatível com a renda, boa parte dos docentes ganha cerca de 5 a 10 mil reais, ainda assim, andam em carros luxuosos e viajam ao exterior. Eu vejo duas possibilidades: recebem vantagens de fornecedores nas instituições nas licitações e contratos ou recebem dinheiro da Organização Pan-Americana de Saúde. […].
Essa denúncia gerou dois inquéritos civis que duraram 3 anos. O primeiro gerou a quebra do sigilo do imposto de renda, investigação patrimonial, investigação em portos e aeroportos, devassa na vida de todos os professores do departamento, dezenas de ofícios circulando aqui na UFG. Tudo isso sem qualquer autorização judicial. Ao final, esse inquérito foi arquivado, porque não existia absolutamente nada. Inobstante, o inquérito arquivado gerou outro inquérito, que foi aberto para apurar uma suspeita assim consubstanciada pelo mesmo procurador da República já citado:
[…] receber vencimentos em duas atividades ao mesmo tempo, a de Secretário de Saúde de Goiânia (2011/2012), enquanto exercia a atividade de professor da UFG com dedicação exclusiva […].
Esse inquérito também foi arquivado por não existir qualquer irregularidade ou ilegalidade, não tendo existido recebimento simultâneo de salários. Era apenas uma suposição ou suspeita indevida. Fica uma questão. Estamos presenciando, na última década, uma série de denúncias de promotores que alcançam agentes do serviço público com muito escarcéu, muita calúnia, difamação e injúria. As denúncias são julgadas, os acusados são absolvidos. E nunca dá em nada contra o acusador. Paira uma dúvida com relação ao ingresso na carreira do MP e do judiciário, qual seja, a forma de seleção por concurso é adequada? Seria possível adotar medidas de precaução contra os excessos desses órgãos de controle? Já que eles são obviamente necessários, deveria ter outra maneira de seleção, concurso mais alguma coisa que permitisse ter um certo controle desse tipo de atuação.
Os nossos problemas e dificuldades de consolidação democrática – a fragilidade da nossa democracia está demonstrada – seriam talvez decorrentes de uma série de excessos que nós cometemos no campo da legislação. Ou seja, nós construímos uma legislação que não foi suficiente, ela parte de um pressuposto de combate a corrupção, mas ela alcança a restrição da liberdade, da dignidade e do direito das pessoas.