CIDH. DENÚNCIA. BRASIL. CASO CRISTIANE LEITE DE SOUZA E OUTROS. DESAPARECIMENTO FORÇADO. VIOLÊNCIA SEXUAL. FALTA DE DILIGÊNCIA NA INVESTIGAÇÃO E PUNIÇÃO.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou em 22 de abril de 2022 à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) o Caso Cristiane Leite De Souza e outros, relativo ao Brasil, sobre o desaparecimento forçado de dez pessoas, algumas das quais vítimas de violência sexual, e a falta de diligência na investigação e punição do assassinato de Edméa da Silva Euzébio e Sheila da Conceição.
As dez vítimas foram sequestradas em 1990 no município de Magé pela polícia civil e militar – algumas delas sofreram violência sexual – e foram assassinadas e jogadas no Rio Estrela. A investigação policial foi arquivada após vários anos devido à prescrição e à falta de provas materiais do crime, uma vez que os corpos nunca foram encontrados.
O caso também se refere ao assassinato da Sra. Edméa da Silva Euzébio e da Sra. Sheila da Conceição, familiares de uma das vítimas, que ocorreu depois que a Sra. Da Silva testemunhou em tribunal sobre o envolvimento de policiais nos desaparecimentos.
A Comissão considerou suficientemente provado que as vítimas sofreram um desaparecimento forçado, uma vez que este ocorreu nas mãos de agentes do Estado e a falta de investigação por parte do Estado levou ao encobrimento dos responsáveis pelos fatos; fatos que até momento seguem sem explicação.
O Estado não cumpriu sua obrigação de investigar, processar e punir os desaparecimentos dentro de um prazo razoável e com diligência. Com relação à investigação, que durou quase 20 anos, as diligências, as técnicas utilizadas e a avaliação das provas foram lentas, e a investigação foi arquivada sem que tivesse sido identificado o paradeiro de nenhuma das vítimas nem os responsáveis pelos fatos e sem investigar a denúncia de violência sexual.
Neste sentido, a Comissão concluiu que o Estado violou o direito às garantias e proteção judiciais e o direito de igualdade perante a lei das vítimas, e descumpriu sua obrigação de adotar disposições de direito interno, tais como a criminalização do desaparecimento forçado em sua legislação.
A CIDH também considerou que havia uma ligação entre o assassinato de Edméa da Silva Euzébio e Sheila Conceição e o desaparecimento das vítimas e seu trabalho no movimento “Mães de Acarí”, um movimento de mães de vítimas de violência institucional. Observou ainda que Edméa Euzébio estava especialmente exposta a uma situação de risco em razão de seu trabalho como defensora dos direitos humanos e seu envolvimento na denúncia e na busca de justiça pelo desaparecimento de seu filho. Portanto, o Estado é responsável pela violação do direito à vida, à liberdade de expressão, à liberdade de reunião, às garantias judiciais e à proteção da Sra. da Silva Euzébio e da Sra. Conceição.
A Comissão determinou que o Estado brasileiro é responsável por violar os artigos II, XVIII e XXIII da Declaração Americana; os artigos 3, 4, 5, 8, 13, 16, 19, 24 e 25 da Convenção Americana em relação com seus artigos 1.1 e 2; assim como os artigos I.a, b e d, e III da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas; e 7.b) e 7.f) da “Convenção de Belém do Pará”.
Em seu Relatório de Mérito, a CIDH recomendou:
→Reparar as violações de direitos humanos de forma material e imaterial.
→Implementar medidas de atendimento no âmbito da saúde física e mental para os familiares das vítimas em acordo com eles.
→Investigar os fatos de forma diligente, efetiva e em um prazo razoável para determinar o paradeiro das vítimas e, se for o caso, entregar seus restos mortais; identificar as pessoas responsáveis e determinar punições.
→Proteger e promover o trabalho de defesa dos direitos humanos realizado pelas mães de Acarí.
→Tipificar o crime de desaparecimento forçado em conformidade com os parâmetros interamericanos.
→Criar mecanismos de não repetição: Investigar, diagnosticar e desarticular a participação de “milícias” e agentes do Estado no Rio de Janeiro e no município de Magé e promover uma perspectiva de gênero e interseccional nas investigações, evitando a estigmatização de pessoas, especialmente a de jovens afrodescendentes como “marginais” ou “delinquentes”.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
Fonte https://www.oas.org/pt/cidh/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2022/098.asp